Internacional
Brasil assume Mercosul com proposta de mais integração regional

Ampliação comercial, promoção da transição energética, desenvolvimento tecnológico, combate ao crime organizado e enfrentamento das desigualdades sociais. Essas são as cinco prioridades para a próxima presidência do Mercosul, que será exercida pelo Brasil no segundo semestre deste ano.
As pautas foram apresentadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta quinta-feira (3), durante a 66ª Cúpula do Mercosul, em Buenos Aires, na Argentina, quando recebeu a coordenação do bloco sul-americano do presidente argentino, Javier Milei.
O encontro reúne os líderes dos países-membros Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, além da Bolívia, que está em processo de adesão, e países associados, para discutir temas prioritários do bloco.
A presidência brasileira também buscará o fortalecimento da Tarifa Externa Comum (TEC), a incorporação dos setores automotivo e açucareiro ao regime comercial do bloco, além do fortalecimento dos mecanismos de financiamento de infraestrutura e desenvolvimento regional.
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Em seu discurso, o presidente brasileiro defendeu a modernização do sistema de pagamento em moedas locais para facilitar as transações digitais.
Para Lula, o Mercosul é um refúgio para os países da região, diante de um mundo “instável e ameaçador”.
“Ao longo de mais de três décadas, erguemos uma casa com bases sólidas, capaz de resistir à força das intempéries. Conseguimos criar uma rede de acordos que se estendeu aos Estados associados. Toda a América do Sul se tornou uma área de livre comércio, baseada em regras claras e equilibradas”, afirmou.
“Estar no Mercosul nos protege. Nossa Tarifa Externa Comum nos blinda contra guerras comerciais alheias. Nossa robustez institucional nos credencia perante o mundo como parceiros confiáveis. Enfrentaremos o desafio de resguardar nosso espaço de autonomia em um contexto cada vez mais polarizado”, acrescentou.
Entre os acordos firmados durante a presidência da Argentina no Mercosul, entretanto, está a flexibilização dos produtos que podem ficar fora da tarifa comum do bloco. A nova exceção amplia em 50 o número de códigos tarifários de produtos que poderão ter a cobrança de TEC flexibilizada, de acordo com a conveniência de cada país.
A TEC é uma tarifa unificada adotada pelo Mercosul sobre produtos importados de outros mercados, uma forma de estimular e promover o comércio entre os países do bloco. Está em vigor desde os primeiros anos de criação do bloco, em meados dos anos 1990. A aprovação representa uma concessão do governo brasileiro a um pedido da Argentina e melhora a capacidade de reação do Mercosul a distorções comerciais criadas por barreiras ou por práticas não autorizadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

Acordos comerciais
A primeira prioridade brasileira à frente do Mercosul, listada por Lula, é o fortalecimento do comércio entre os países do bloco e com parceiros externos. O objetivo do presidente é finalizar o acordo do bloco sul-americano com a União Europeia (UE), considerado o mais importante. Embora já negociado, o acordo Mercosul-UE passa agora pelo processo de internalização por parte dos países envolvidos e ainda sofre resistências, especialmente da França.
Nesta quarta-feira (2), foi anunciada a conclusão das negociações para um acordo do Mercosul com a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta), formado por Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça.
O Mercosul ainda pretende negociar acordos específicos com Canadá e Emirados Árabes Unidos, além de trabalhar por novos parceiros regionais, como o Panamá e a República Dominicana, e atualizar os acordos com a Colômbia e o Equador.
Lula ainda quer a aproximação dos países do Cone Sul com o mercado asiático.
“Nossa participação nas cadeias globais de valor se beneficiará de maior aproximação com Japão, China, Coreia, Índia, Vietnã e Indonésia”, defendeu, destacando a importância de infraestrutura adequada para a circulação de bens e serviços. Ele citou os projetos Rotas da Integração Sul-Americana e Rota Bioceânica para essas conexões.
Nesse sentido, ao longo do próximo semestre, o Mercosul pretende lançar, sob a presidência brasileira, uma segunda edição do Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), um mecanismo solidário de financiamento próprio dos países do bloco para obras e outras iniciativas de fomento ao comércio. Nas últimas décadas, o Focem viabilizou mais de US$ 1 bilhão em investimentos, especialmente em obras estruturais em países como Argentina e Paraguai.
Por fim, para o presidente brasileiro, é necessário reativar o Fórum Empresarial do Mercosul e oferecer maior apoio a pequenas e médias empresas.
“Não se constrói prosperidade apenas com grandes negócios”, afirmou.
Mudança do clima
Na presidência brasileira pelos próximos 6 meses, o Mercosul deverá enfatizar uma agenda verde, para promover cooperação em comércio sustentável.
Segundo Lula, o enfrentamento da mudança do clima e a promoção da transição energética são prioridades.
“As consequências do aquecimento global já se fazem sentir no Cone Sul. A região sofre com estiagens e enchentes que causam perdas humanas, destruição de infraestrutura e quebras de safra. A realidade está se movendo mais rápido que o Acordo de Paris, expondo a falácia do negacionismo climático”, alertou.
“O Brasil assumiu a responsabilidade de sediar a COP30 [30.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas] em um momento de graves turbulências para o multilateralismo. O apoio do Mercosul e de toda a América do Sul será imprescindível”, destacou.
O Brasil está propondo o programa Mercosul Verde para fortalecer a agricultura sustentável na região e busca uma cooperação que promova padrões comuns de sustentabilidade, mecanismos de rastreabilidade e inovações tecnológicas.
O presidente Lula ainda citou as grandes reservas de minerais críticos na região, utilizados na transição energética, e a busca do apoio da Organização Latino-Americana de Energia (Olade) para reativar as discussões para um acordo sul-americano sobre esses produtos.
“A corrida por lítio, terras raras, grafita e cobre já começou. O Mercosul ampliado é nossa melhor plataforma para aproximar e coordenar políticas nacionais. É fundamental garantir que as etapas de beneficiamento ocorram em nossos territórios, com transferência de tecnologia e geração de emprego e renda”, defendeu.
Desenvolvimento tecnológico
Lula voltou a criticar a concentração tecnológica no mundo, “nas mãos de um pequeno número de pessoas e de empresas, sediadas em um número ainda menor de países”.
Ele lembrou que Brasil e Chile formalizaram parceria para criar modelos de inteligência artificial que reflitam as realidades culturais e linguísticas da América Latina e quer expandir a iniciativa no Mercosul.
Para o presidente brasileiro, trazer centros de dados para a região é uma questão de soberania digital.
“Esse esforço deve ser acompanhado do desenvolvimento local de capacidades computacionais, do respeito à proteção de dados e de investimentos para suprir demandas adicionais de energia”, afirmou.
“A pandemia da covid-19 escancarou a vulnerabilidade a que estamos expostos pela falta de acesso a vacinas e medicamentos. O Brasil quer fazer do Mercosul um polo de tecnologias da saúde, capaz de atender às necessidades de nossa população”, acrescentou.
Crime organizado
Ao receber a presidência do bloco, Lula se comprometeu a estudar proposta da Argentina, de criação de uma agência contra a criminalidade organizada transnacional.
“Não venceremos essas verdadeiras multinacionais do crime sem atuar de forma coordenada. Precisamos investir em inteligência, conter os fluxos de armas e asfixiar os recursos que financiam a indústria do crime”, disse.
Aprofundar a cooperação contra o crime organizado é prioridade do Brasil, estabelecendo ações que se complementam e dialogam entre si para ganhar escala regional, segundo Lula.
Ele citou o Comando Tripartite da Tríplice Fronteira, plataforma de combate a crimes financeiros e o tráfico de drogas, de armas e de pessoas, e o Centro de Cooperação Policial Internacional da Amazônia, inaugurado em Manaus, com a atuação de forças de segurança dos nove países amazônicos para coibir crimes ambientais e outros ilícitos.
Direitos dos cidadãos
A presidência brasileira ainda prometeu impulsionar o funcionamento do Instituto Social do Mercosul (ISM) e do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos (IPPDH), promovendo maior participação da sociedade civil nos debates de temas prioritários para o bloco.
“Sem inclusão social e enfrentamento das desigualdades de todo tipo não haverá progresso duradouro”, afirmou Lula, acrescentando que a Cúpula Social do Mercosul será retomada e, ainda, será realizada uma Cúpula Sindical.
“A força das nossas democracias depende do diálogo e do respeito à pluralidade”, completou.
Agencia Brasil
Internacional
“Tanto Israel quanto a Palestina têm o direito de existir”, diz Lula

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu nesta segunda-feira (22) a implementação da solução de dois Estados para a pacificação do Oriente Médio: o Estado da Palestina e o Estado de Israel.
Lula participou, nos Estados Unidos, da segunda sessão da Conferência Internacional de Alto Nível para a Resolução Pacífica da Questão Palestina e a Implementação da Solução de Dois Estados.
“O que está acontecendo em Gaza não é só o extermínio do povo palestino, mas uma tentativa de aniquilamento de seu sonho de nação. Tanto Israel quanto a Palestina têm o direito de existir”, disse o presidente Lula na conferência.
A reunião, convocada por França e Arábia Saudita, ocorreu em Nova York, e antecede a 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU).
Segundo o governo brasileiro, a paz, segurança e a estabilidade no Oriente Médio passa pela implementação de um Estado da Palestina, independente e viável, coexistindo lado a lado como Estado de Israel, dentro das fronteiras de 1967, incluindo a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, com Jerusalém Oriental como capital.
Em discurso, Lula frisou ainda que a questão da Palestina surgiu há 78 anos, quando a Assembleia Geral da ONU adotou o Plano de Partilha, originando a perspectiva de dois Estados. No entanto, apenas um se materializou, o de Israel.
“O conflito entre Israel e Palestina é símbolo maior dos obstáculos enfrentados pelo multilateralismo. Ele mostra como a tirania do veto sabota a própria razão de ser da ONU, de evitar que atrocidades como as que motivaram sua fundação se repitam”, afirmou.
O presidente brasileiro afirmou que o país apoia a criação de um órgão inspirado no Comitê Especial contra o Apartheid, que teve papel fundamental no fim do regime de segregação racial na África do Sul. “Assegurar o direito de autodeterminação da Palestina é um ato de justiça e um passo essencial para restituir a força do multilateralismo e recobrar nosso sentido coletivo de humanidade”, disse.
Lula destacou ainda que o Brasil condenou enfaticamente os atos cometidos pelo Hamas. O presidente brasileiro ressalvou, porém, que o direito de defesa não autoriza a matança indiscriminada de civis.
“Nada justifica tirar a vida ou mutilar mais de 50 mil crianças, destruir 90% dos lares palestinos e usar a fome como arma de guerra, nem alvejar pessoas famintas em busca de ajuda”, disse.
Agencia Brasil
Internacional
Pentágono exige que jornalistas submetam reportagens à sua aprovação

Os jornalistas que cobrem o Pentágono, nos Estados Unidos (EUA), terão que assinar um documento se comprometendo a submeter as reportagens aos agentes do Departamento de Defesa do país antes da publicação. Caso contrário, os profissionais terão suas credenciais de acesso ao prédio suspensas.
A medida foi criticada por organizações de jornalistas como um ataque à liberdade à imprensa. O secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, retrucou afirmando que a “imprensa não comanda o Pentágono”.
O Clube Nacional de Impresa, associação que representa os jornalistas nos EUA, disse que a nova medida é “um ataque direto ao jornalismo independente, exatamente onde o escrutínio independente mais importa: nas Forças Armadas dos EUA”.
O presidente do Clube, Mike Balsamo, lembrou que, ao longo de várias gerações, repórteres do Pentágono forneceram ao público informações sobre como as guerras são travadas.
“Esse trabalho só foi possível porque os repórteres puderam buscar fatos sem precisar da permissão do governo”, disse Balsamo, acrescentando que, se as notícias precisam ser aprovadas pelo governo, o público não pode mais receber reportagens independentes.
“[O público] está recebendo apenas o que as autoridades querem que ele veja. Isso deveria alarmar todos os americanos. Reportagens independentes sobre as Forças Armadas são essenciais para a democracia. É o que permite aos cidadãos responsabilizar os líderes e garante que as decisões de guerra e paz sejam tomadas à luz do dia”, completou.
O secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, rebateu as críticas, dizendo que quem comanda o Pentágono é o “povo”, não a imprensa. “Use um crachá e siga as regras — ou vá para casa”, disse o chefe do Departamento de Guerra do governo Trump em uma rede social.
Violação à Constitução
A Fundação Liberdade para Imprensa afirmou que essa política é “a mais grave” violação da Primeira Emenda da Constituição dos EUA. “O governo não pode proibir jornalistas de divulgar informações públicas simplesmente alegando que são secretas”, disse a organização.
A nova decisão se soma a outras medidas do governo Trump contra a imprensa. Em maio, o secretário do governo Trump já havia adotado medidas restringindo a circulação de jornalistas pelos corredores do Pentágono, submetendo a entrada em áreas antes permitidas à autorização prévia e escolta.
Na semana passada, o presidente dos EUA ameaçou cancelar licenças de rádios e televisões que criticam o governo. Já a emissora da Disney ABC retirou do ar “indefinidamente” o programa do apresentador Jimmy Kimmel, conhecido crítico de Trump, após pressão da Casa Branca.
Agencia Brasil – Lucas Pordeus León – Repórter da Agência Brasil
Internacional
Big techs são parte da máquina de guerra dos EUA, alerta pesquisador

Em junho deste ano, o Exército dos Estados Unidos (EUA) revelou que executivos de gigantes da tecnologia como Meta, OpenIA e Palantir foram nomeados tenentes-coronéis do Destacamento 201, recém-criado para abrigar líderes da tecnologia.
“A posse deles é apenas o começo de uma missão maior para inspirar mais profissionais de tecnologia a servir sem abandonar suas carreiras, mostrando à próxima geração como fazer a diferença no uniforme”, informou o Exército norte-americano.
Em livro publicado neste mês, o sociólogo brasileiro Sérgio Amadeu da Silveira denuncia o uso da Inteligência Artificial (IA) pelas Forças Armadas dos EUA em parceria com as big techs como Google, Amazon e Microsoft.
Com o título As big techs e a guerra total: o complexo militar-industrial-dataficado, o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) explica como a IA é usada para matar pessoas na Faixa de Gaza e defende o desenvolvimento nacional de infraestrutura digital que acabe com a dependência do Brasil das gigantes dos EUA.
“As big techs são máquinas geopolíticas. Não vamos ter ilusão. A tecnologia não é só um meio para se atingir uma finalidade. A tecnologia é um dos principais instrumentos do poder político, econômico e militar global. O próprio Trump diz que as big techs são a linha de frente do poder americano”, explicou à Agência Brasil.
Após os donos das big techs ficarem em lugar de destaque na posse de Donald Trump, os chefes da Meta (dona do Facebook, Instagram e Whatsapp), Apple, Microsoft e OpenIA jantaram, no início de setembro, com o presidente dos EUA na Casa Branca.
Em entrevista à Agência Brasil, o professor explica a necessidade de o Brasil investir em infraestrutura própria e os riscos que se corre quando o governo contrata empresas estrangeiras e seus serviços em órgãos públicos, deixando os bancos de dados vulneráveis.
No último dia 7 de setembro, o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos – em parceria com o Serpro e a Dataprev – lançou a Nuvem Soberana para processar e guardar dados públicos em uma infraestrutura física sob gestão do Estado, ainda que com tecnologia de empresas internacionais. Para Amadeu, o lançamento é um avanço em um país como o Brasil, mas ainda não é suficiente diante das políticas expansionistas de Trump.
Veja, abaixo, os principais trechos da entrevista.
Sociólogo e professor da UFABC Sérgio Amadeu da Silveira. Foto: TV PUC/Reprodução
Agência Brasil: Como as big techs estão envolvidas com o negócio da guerra?
Amadeu: As big techs nasceram de atividades nas redes sociais e como mecanismos de busca, mas foram se tornando verdadeiros oligopólios, engolindo outras empresas e entrando também nos negócios da guerra.
Apesar de afirmarem que são empresas neutras, elas foram articuladas por aquilo que se chama o complexo militar-industrial dos EUA.
No livro, mostro a introdução da IA e das big techs na guerra e a gravidade de você ter empresas usando nossos dados e as interações de milhões de pessoas no planeta para finalidades militares.
Agência Brasil: O que é esse complexo militar-industrial-dataficado?
Amadeu: O termo complexo militar-industrial, popularizado pelo presidente dos EUA Dwight Eisenhower (1953-1961), explica a fusão das empresas com o Pentágono. Um dos exemplos é a Lockheed, empresa que fabrica aviões e armas. Mas a Lockheed não participa das atividades de estratégia, de tática, de ações militares.
Agora, é diferente. Como a inteligência artificial é desenvolvida em quantidades absurdas de coleta e tratamento de dados, que precisa de uma estrutura de data centers gigantesca e trabalhadores especializados, as Forças Armadas americanas trouxeram as big techs para o coração da estratégia e das ações táticas da guerra.
As big techs integram o complexo de guerra americano, não como a Lockheed, mera fornecedora de produtos, mas elas estão dentro desse complexo dada a natureza da atividade.
Hoje, os EUA têm contratos bilionários com as big techs. Tem o projeto Maven, da Google, alvo de protesto de funcionários da companhia, que depois incluiu a Amazon e a Palantir.
A notícia que alguns diretores dessas big techs ganharam postos de militares de alta patente confirma essa hipótese de que o complexo militar foi dataficado [o termo “data” se refere ao processo de armazenamento e tratamento de dados realizado pelas big techs].
Agência Brasil: A capa do livro são as ruínas de Gaza. Qual a relação das big techs com esse conflito?
Amadeu: O primeiro grande laboratório do uso de IA para fixação de alvos militares foi a Faixa de Gaza. A IA já vinha sendo usada, mas não para mapear a população civil e encontrar alvos que deveriam ser eliminados fora de áreas de combate. Isso foi feito de maneira intensa na Faixa de Gaza uma vez que essas big techs atuam para o Estado de Israel.
Local de ataque israelense em Jabalia, norte de Gaza 13/4/2025 – Reuters/Mahmoud Issa/Proibida reprodução
Agência Brasil: Como funciona esse mapeamento da população civil para fins militares?
Amadeu: A IA pode montar uma máquina de alvos que permite que você pegue dados de toda a população. Afinal, as big techs têm os dados do uso de redes sociais das pessoas em Gaza, além de outras bases de dados geográficos e de companhias de telefone.
Elas fazem um tratamento desses dados e criam um modelo, um padrão, para identificar supostos militantes do Hamas. A partir dos rastros digitais deles nas redes sociais, a IA identifica, com base no padrão prévio, quem seria um militante do Hamas, um apoiador, um simpatizante, etc.
A partir disso, eles matam os alvos fora da área de combate. Isso explicaria alguns ataques contra prédios em Gaza, que seriam para eliminar esses alvos. É uma fabricação de alvos a partir de dados de redes sociais.
Agência Brasil: Quais outras funções as big techs têm na guerra?
Amadeu: Elas oferecem serviços de nuvem, de desenvolvimento da IA para tipos de combates, de ações táticas. Oferecem soluções para momentos de confronto. Existe uma ampla gama de serviços, de inteligência computacional, de desenvolvimento de algoritmos, de arranjos tecnológicos, principalmente de sistemas automatizados para as Forças Armadas.
Agência Brasil: As big techs oferecem esses serviços para todos os países?
Amadeu: Essa é uma grande questão porque a Amazon, e outros provedores de nuvem, oferecem serviços para as Forças Armadas de países que os EUA consideram aliados.
Agora, obviamente, se esses países, ou qualquer país, não atuarem como o Estado americano pretende, as big techs ficariam do lado do Estado americano. Isso está mais do que evidente. Muitos serviços dessas big techs só são oferecidos para o Estado americano e, obviamente, para o seu capataz no Oriente Médio, que é Israel.
Recentemente, o governo Trump, além de sancionar os juízes da Corte Penal Internacional (TPI) em retaliação ao mandado de prisão por crimes de guerra contra Netanyahu [primeiro-ministro israelenses], mandou bloquear o acesso aos e-mails e todos os arquivos digitais que esses magistrados tivessem na Microsoft.
Do jeito que o mundo está hoje, você não pode deixar arquivos estratégicos e sensíveis na mão da Microsoft, da Google ou Amazon. Há todo um arcabouço legal americano que essas empresas têm que cumprir. O próprio Donald Trump diz que as big techs são a linha de frente do poder americano.
As universidades brasileiras, toda a pesquisa da Universidade brasileira, por exemplo, está armazenada na Google e na Microsoft. O Ministério da Educação precisa desenvolver infraestruturas públicas sob controle total do Brasil, com baixo impacto ambiental, para as universidades.
Agência Brasil: As big techs prestam serviços para o Ministério da Defesa do Brasil?
Amadeu: Recentemente [julho de 2024], o governo fez uma parceria com a Amazon, por meio do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para assuntos de defesa.
Quando o grupo X, antigo Twitter, do Elon Musk, não quis acatar decisões judiciais brasileiras, se avaliou bloquear a Starlink, outra empresa do Musk de conexão por satélite.
Tive acesso a um ofício das Forças Armadas alertando o Judiciário para não suspender a Starlink porque isso iria prejudicar a mobilização das tropas.
Isso mostra que as Forças Armadas brasileiras têm a sua infraestrutura de conectividade na mão de uma empresa americana com interesses no Brasil e que trabalha, em última análise, para o Departamento de Estado americano. Mas esse alto comando militar brasileiro não se importa com essa dependência.

Presidente dos EUA, Donald Trump – REUTERS/Eduardo Munoz/Proibida reprodução
Agência Brasil: A ofensiva de Trump contra a regulação das plataformas digitais no exterior tem relação com o uso das plataformas para a guerra?
Amadeu: Tem uma relação indireta. Desde a posse, Trump coloca as big techs como fundamentais para manter a liderança norte-americana em IA. Há várias medidas para manter os EUA líderes incontestes no terreno da IA. Isso exige dados do mundo inteiro.
Trump falou para não tributar essas empresas. Ele quer que essas empresas naveguem aqui no Brasil, tomem os dados que tem alto valor agregado e não são quantificados, levem embora e não paguem tributos. Esse é o imperialismo descarado.
O governo Trump criticou o Pix porque o mecanismo engoliu os meios de pagamento no Brasil do Grupo Meta. O problema foi que o Pix saiu quando o grupo Meta estava querendo, por meio do WhatsApp, viabilizar um sistema de pagamento instantâneo, o que iria gerar grana para eles. O Pix atrapalhou os planos do Zuckerberg.
Agência Brasil: Qual é o papel geopolítico hoje das big tehcs?
Amadeu: Elas são máquinas geopolíticas. Não vamos ter ilusão. Parece que tudo bem fazer parcerias com a OpenAI, como fez a Enap [Escola Nacional de Administração Pública, ligada ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos]. Isso é lamentável.
Nós deveríamos estar discutindo incentivar sistemas de gestão próprios. Tem setores do Estado brasileiro comprando acessos de programação da OpenAI. Ao fazer isso, você pega documentos que são estratégicos e entrega para a OpenAI.
A tecnologia, para alguns gestores públicos, é só um meio para se atingir uma finalidade. Mas a tecnologia é um dos principais instrumentos do poder político, econômico e militar global.
Agência Brasil: Quais políticas públicas o Brasil deveria desenvolver para alcançar a soberania digital?
Amadeu: Não há soberania nacional hoje, sem soberania tecnológica e digital. Isso é básico e é economicamente fundamental. O Brasil pode, por exemplo, organizar infraestruturas digitais federais, de baixo impacto ambiental, para as universidades, com data centers controlados e à disposição das universidades brasileiras que fazem a pesquisa.
Os dados do setor público não podem estar na mão das big techs, ainda mais no momento onde elas são linha de frente do poder político de Trump e que há quase uma relação direta entre extrema direita e big techs.
Não dá para você deixar os dados da saúde brasileira na Amazon. Temos que ter infraestruturas públicas, nacionais ou sob o controle de capital nacional.
É preciso recuperar as empresas públicas de dados que surgiram nos anos 60 e que o neoliberalismo desvirtuou. Hoje você tem o Serpro, a Dataprev, que estão contratando as big techs. Essa política tem que ser anulada, tem que ser alterada.
Essas empresas têm condição de bloquear as máquinas, de roubar dados dela, e isso está cada vez mais evidente. Os sistemas têm que ser atualizados o tempo todo, ou seja, as big techs lá de fora têm acesso a essas máquinas aqui de dentro.
Agência Brasil: Qual avaliação você faz do programa recém-lançado Nuvem Soberana do governo federal?
Amadeu: Lançar um programa de nuvem soberana é um avanço em um país como o Brasil. Os dados estratégicos do governo, do SUS, do desempenho escolar dos adolescentes, das universidades estão nas mãos das big techs. Temos que tomar cuidado, pois tanto o Serpro quanto a Dataprev alocam dados do setor público nas nuvens dos oligopólios digitais norte-americanos. Ter a nuvem da Amazon ou da MIcrosoft localizada no Brasil não é suficiente diante das políticas expansionistas de Trump. O Cloud Act e outras leis americanas fazem com que uma máquina e os sistemas das big techs estejam submetidos ao Estado norte-americano.
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